quarta-feira, 20 de julho de 2011

IMPRESSÕES SOBRE O TRABALHO DA CIA

O grupo Cia dos Pés, de São José do Rio Preto, virou a cabeça do público da 23ª SLAMC com uma proposta bastante original. O espetáculo, Casca de Nós, se propõe discutir o espaço cotidiano, urbano e sua relação com o corpo a partir do deslocamento do olhar, físico inclusive. A Cia colocou toda a platéia a seus pés, deitada (melhor maneira de ver o espetáculo) em colchonetes diante da Prefeitura Municipal. Mais que uma simples inversão na forma de assistir a um espetáculo a proposta do grupo começa por alterar a forma de ver a cidade, os prédios, o que nos cerca e a nós mesmos. Ângulo novo, estranho que, ao romper com a rotina do plano horizontal do olhar, revela detalhes arquitetônicos do espaço, antes não apreendidos, redimensiona a percepção do corpo em relação ao mundo, seja nas sensações táteis do contato com o chão ou da visão, que nos ilude a partir dos movimentos leves, em “câmera lenta” realizados pelas duas integrantes do grupo.


Cuidado, delicado, o espetáculo explora uma trilha sonora bem colocada, que se afina com os movimentos, com o texto, propositalmente fragmentado, solto em pequenos textos, frases e palavras que, como as duas atrizes/bailarinas voam ao vento ecoando dentro dos espectadores. A iluminação do espetáculo à noite revelou delicadezas insuspeitas no espetáculo da tarde (assim como eu, muitos voltaram para revê-lo), mas se surpreenderam ao ver outro. Os movimentos eram os mesmos, assim como a trilha sonora e o texto, mas o sol da tarde produziu outras sombras na parede, diversamente da luz noturna e dos refletores, muito bem explorados pelo grupo, criando belas luas cheias de bailarinas, imateriais, sonho do homem que se projeta descomunal em sua sombra e as tenta alcançar – idealização, saudades, projeção do desejo... tudo cabe nesta deliciosa inversão espacial, na qual o irreal se materializa e o real é mera sombra. Ao deslocar os olhares para a liberdade vertical, a Cia dos Pés nos faz pensar o confinamento no qual vivemos, presos nesta casca de nós/noz que é a casa, a cidade, o próprio corpo, nos convidando a romper a barreira de cimento, a nos permitir um redimensionamento para a vida, virando-a de ponta-cabeça, alterando seu eixo, buscando a leveza e a beleza. Casca de nós me fez lembrar de Asas do Desejo, de Wim Wenders, filme que amo, não só pelo óbvio: a bailarina/trapezista, os anjos, mas por causa do poema que abre o filme, Song of Childhood, de Handke.


Flávia Marquetti
23a. Semana Luiz Antônio Martinez Corrêa - Araraquara
http://semanaluizantonio.blogspot.com/2011/06/casca-de-nos-sugestao-estava-nos-pes-e.html

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